(Foto: Reprodução/Arquivo) |
Esta menina tão pequenina quer ser bailarina. Não conhece nem dó, nem ré, mas sabe ficar na ponta do pé. Não conhece nem mi, nem fá, mas inclina o corpo para lá e para cá. (...) Põe na cabeça uma estrela e um véu, e diz que caiu do céu. Este poema de Cecília Meireles pode ser usado para descrever o início da carreira da bailarina, diretora, coreógrafa Martine Blain.
Seus brinquedos favoritos na infância eram as sapatilhas e a roupa de balé. Pedia de presente aos amigos e familiares sempre duas bonecas exatamente iguais, ninguém entendia, mas só ela sabia que assim iria conseguir ter um corpo de baile de brinquedo e montar coreografias. Ao ouvir a história parece que o destino tinha escolhido esta carreira para ela. Nasceu em uma família de artistas na França dos anos 40 e possui dupla nacionalidade: francesa e italiana. Os pais e avós tocavam piano e violino.
A mãe, uma excelente pianista na época em que não eram populares aparelhos de som, ainda mais com fitas e CDs, descobriu que os conservatórios de dança contratavam especialistas em músicas para barras, coreografias e centros. Ela conta emocionada que a mãe não tinha com quem deixá-la enquanto tocava, então, aos três anos, Martine ficava na sala ao lado e aprendia a brincar/dançar nas aulas de propedêutica (preparação para o corpo). E no ritmo dos passos, exercícios, apresentações e figurinos cresceu e percorreu mais de 27 países.
Trajetória
Formou-se na França, onde foi diplomada em balé clássico, dança moderna, dança afro-primitivo, dança espanhola e flamenca. Sua primeira apresentação foi aos 16 anos em uma turnê pela Bélgica. Foi a primeira bailarina e coreógrafa em turnês pelo Japão, Malásia, Singapura, Tailândia, Espanha, Portugal, Grécia, Bulgária, Iugoslávia, Angola, Moçambique, Tunísia, Líbia, França, Itália, Rússia, Argentina, Luxemburgo, Bélgica, Suíça, Indonésia, Malta e Alemanha. Viveu fatos da história, política e economia de vários lugares do mundo por meio de sua arte. “Na revolução de Angola e Moçambique, nós estávamos lá em teatros de lona e durante o espetáculo atiravam de lá para cá e de cá para lá, parecia um filme. A gente trabalhou muito na África Portuguesa”, relembra a bailarina.
Fundou e dirigiu a Companhia de Dança Les Coryphées em Roma e participou por 10 anos da rede de televisão italiana RAI. Com o patrocínio do Ministério da Educação Nacional de Roma, escreveu e dirigiu espetáculos e comédias musicais. Apresentou espetáculos sobre flamenco em escolas superiores e universidades de vários países da Europa e coreografou filmes e óperas líricas na França e na Itália. O que para muitos parece sonho, ela realizou; dançou para o rei da Itália. “Geralmente a gente imagina um rei com coroa, manto, aí vem um senhor com uma gravata, terno e te fala: Eu sou o rei da Itália. Você acredita?”, relembra Martine.
Perto do céu
Martine escolheu o alto da montanha próximo a Serra do Mar para viver. Sua casa fica quase 200 metros acima da vila de pescadores em São Sebastião, mas precisamente o Morro do Abrigo. Do quintal da casa ela pode ver o belo canal de São Sebastião e Ilhabela. Lá ela encontrou a paz que tanto procurava. Estava exausta com a rotina que vivia em Paris, não queria mais saber de sapatilhas, de aulas, coreografias e veio para o Litoral Norte em busca de tranquilidade. “Eu não sabia falar não. Eu tinha dias de 20 horas de trabalho e quando eu parei para pensar já era tarde, eu não queria deixar outras pessoas na mão”, conta Blain.
Durante muitos anos deu aulas nas Oficinas Culturais de São Sebastião e Ilhabela. Expõe com orgulho os mais de 80 prêmios que conquistou desde que chegou ao Brasil, mas as maiores conquistas foram a criação do Grupo de Dança Guadalquivir, em 1996 e a construção de um estúdio de dança em sua casa com quase 100m², espelhos, barras, figurinos e troféus. Para ela a residência é um local mágico, pode dar suas aulas de dança e de idiomas, receber os amigos e de perto do céu olhar o mar.
Na decoração tem um pedacinho de cada país, cristaleiras, móveis árabes, porcelanas, quadros de artistas que a retrataram dançando, fotografias que mostram a trajetória do grupo. E hoje, com mais de 60 anos de experiência, ganhou mais uma vez o Festival de Danzas Del Mercosur, na Argentina, com o Grupo de Dança Guadalquivir. Durante a conversa vimos que ela encontrou o que buscava. Ao observá-la é possível traduzir no brilho dos olhos, nos traços do rosto, na firmeza e no carinho com que se apoia na barra de balé, a competência e a experiência de uma mulher que ama a arte e luta para desenvolver um trabalho artístico cultural.
*Texto publicado na revista Bastidores